Depois dos líderes populistas de esquerda, chegou a vez do populismo de direita. O novo (velho) modelo de político é homem, jovem, boa-pinta, preferencialmente empresário (endeusado a parir de um binarismo simplista que contrapõe as categorias semânticas manipulatórias de "mamadores" X "produtores de riqueza"). Troque "caçador de marajás" por "combatente da corrupção" e chegamos a um equivalente histórico razoável.

Se antes o que seduzia o eleitorado eram as promessas megalomaníacas, agora para ser eleito basta pronunciar a palavra mágica com fervor religioso: cortar. Não interessa o que se corta e qual o impacto (geralmente irrelevante), o que interessa é o efeito na opinião pública e ganhar casas no jogo da dominação ideológica (como parte de um projeto maior que detalho mais abaixo). O resultado é um keynesiasmo ao contrário, cortando investimentos (quando deveriam ser fomentados) e aumentando impostos (quando deveriam ser diminuídos) e do qual o Rio Grande do Sul é um exemplo trágico.

Já falei em outro post sobre os liberais fajutos, sobre a diferença entre o fundamentalismo de mercado e uma condução saudavelmente liberal da economia (evitar o excesso regulatório e protecionismo de setores ineficientes) e sobre como as medidas desses governos - travestidas de ideias supostamente liberais - contradizem esses princípios (por exemplo, pelos incentivos fiscais), independente do espectro ideológico do partido responsável pelas medidas.

Por trás do discurso ideológico da crise permanente, existe também um objetivo escondido, já em curso há diversos anos: vender (na perspectiva da contraparte do negócio: comprar) o Brasil. Quanto mais o brasileiro fica pessimista, mais barato fica o país para o investidor estrangeiro. Um gráfico elucidativo: http://www.bolsafinanceira.com/fluxo-de-capital.

Traduzindo: a crise brasileira, especialmente nos últimos dois anos, foi a oportunidade perfeita para bolsos profundos (especialmente externos) garantirem o maior controle acionário possível de nossas empresas. Esse processo foi acompanhado (e amplificado) por uma desvalorização especulativa da valor da moeda nacional (o Real), tornando os ativos brasileiros ainda mais baratos. A consequência: lucros futuros de nossas empresas serão majoritariamente distribuídos aos estrangeiros (com exceção das estatais que possuem limites de participação estrangeira, aquelas que tentaram demonizar e nos convencer que estavam quebradas).

Agora que o Brasil pertence aos estrangeiros, eis o que vai acontecer nos próximos anos (anotem e me cobrem), Atualmente, o fator que impede o Brasil de ser uma economia moderna é sua taxa de juros, uma anomalia que não pode ser explicada facilmente, e que garante aos nossos bancos os maiores lucros do mundo no setor. A taxa de juros também garante aos detentores de títulos da dívida pública um rendimento em renda fixa excepcional que desincentiva o mercado de capitais, ou seja, o investimento direto no setor produtivo. Agora que os estrangeiros se posicionaram como acionistas majoritários das empresas brasileiras, o jogo vai se inverter: a taxa de juros vai cair para níveis quase civilizados, o capital dos títulos públicos vai migrar para o mercado acionário e teremos um boom de crescimento durante diversos anos (como continuação de um ciclo de crescimento em curso há 20 anos desde o fim da hiperinflação). Passado um período de maior turbulência e atritos, esse cenário vai inevitavelmente sustentar a continuidade política dos grupos atuais (ou seja, dos patrocinadores invisíveis do governo Temer) durante no mínimo 8 ou 12 anos (primeiro PSDB, depois MBL). A taxa de juros menor (e não a PEC recém aprovada) vai suavizar o problema da dívida pública, afinal nossa relação PIB/Dívida é menor que EUA, Japão, Alemanha, Itália, França, o que nos afeta são os juros da dívida.

Em tudo isso, existe uma contradição aparente. Se o país vai voltar a crescer (e muito), porque são necessários tantos cortes? Novamente, faz parte de um projeto ideológico: visando a continuidade do projeto, é necessário convencer os brasileiros que determinado grupo político guiou o país a um momento virtuoso, enquanto que na prática a roda da economia é guiada pelo fluxo internacional de capitais, especialmente na atuação difusa de diversos agentes financeiros. Lula e o PT talvez não tenham sido outsiders, mas sim os agentes políticos escolhidos pelo sistema durante 2002-2010, por um motivo: o ciclo de alta só pode se iniciar com um movimento acentuada de queda na economia, gerando um fundo de mercado, e Lula foi o veículo perfeito para as agências de risco criarem medo infundado sobre o Brasil. De forma similar, a queda de Dilma foi o argumento perfeito para um novo fundo de mercado, uma nova atuação das agências de risco (retirando o Investment Grade do Brasil) e, não importa o que acontecer, o futuro político imediato pertencerá a PSDB, MBL e outros grupos, que receberão o mérito político (ao menos até a necessidade de outra crise/ciclo).

Essa é minha avaliação realista sobre o Brasil. Enquanto indivíduo racional, só vejo duas ações possíveis durante esse ciclo:

1) Como o controle executivo do país já está decidido de antemão, é minha obrigação votar nos partidos mais ferrenhos de oposição no legislativo, para garantir ao menos um certo equilíbrio de forças e suavizar certas medidas (como os cortes orçamentários populistas)

2) Comprar ações de empresas brasileiras (ou fundos de ações com ampla representatividade setorial), o que você provavelmente fará também quando uma maré de otimismo começar no país, com matérias nos telejornais sobre a recuperação da economia e nosso futuro próspero. Vamos enriquecer os estrangeiros nesse processo, mas eu não sou hipócrita e também quero minha fatia do bolo.