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2017: Despedidas e renovações

Encerrando um ciclo em minha vida, termino meu último semestre como docente no Curso de Licenciatura em Música da UCS. Grato aos meus colegas e alunos pelos ensinamentos, apoio e aprendizado, feliz pelas sementes plantadas e pela oportunidade de ter trabalhado com colegas dedicados e sempre em alta sinergia. Misto de sorte e (alguma) competência, ingressei muito cedo no ensino universitário com 26 anos e agora, sete anos depois, decido me afastar por um período indeterminado da carreira por razões diversas.

Fundamentalmente, tornou se impossível conciliar a atuação (com carga horária elevada) no ensino com o desejo de ser um artista de alto desempenho, com a necessidade de satisfazer minha curiosidade e inquietação infinita sobre assuntos diversos e com a própria busca por felicidade, satisfação e saúde. Em um determinado momento da minha vida, consegui equilibrar melhor essas dimensões e o resultado foi uma intensidade criativa e vitalidade das quais sinto muita falta. Visando retomar esse rumo, em 2018 voltarei a residir em Porto Alegre, redistribuindo meus focos de atuação para melhor contemplar aquilo que mais me satisfaz. Meu vínculo com Caxias do Sul - que tão bem me acolheu nos últimos anos - segue pela Orquestra da UCS.

Minha decisão passa também por uma postura ambivalente com o ensino institucionalizado e com minha atuação. Como professor, ainda não consegui transpor a discrepância entre minha forma pessoal de aprender - experimental, orientada por necessidades específicas, curiosidade ou mera diversão, imersiva, dispersa, não-linear - e meu ensino, e certas instâncias burocráticas/padronizadoras certamente dificultam esse propósito. Para ensinar de forma significativa e transformadora, preciso estar imerso profunda e obsessivamente no meu aprendizado, borbulhar ideias e inquietações. Meu trabalho como educador continuará, porém concentrado em contextos, formatos e abordagens que sejam subprodutos diretos de minhas investigações e distribuído em plataformas digitais.

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Em linha com essas intenções, para 2018 estou montando um projeto ambicioso de aprimoramento pessoal e autoeducação, centrado em uma rotina de leituras em tópicos amplos de interesse, expansão de referenciais estéticos, "curadoria" de recursos educacionais, voluntariado digital, desenvolvimento de habilidades, networking, etc. A partir dessas buscas - logo compartilharei mais a respeito - em 2018 quero desenvolver de forma mais plena meu potencial e descobrir rumos mais conectados com as direções e tendências que enxergo para o futuro próximo..

Um desejo sincero de boas festas e renovação para todos,
Fernando

O som mais incrível do mundo

O SOM MAIS INCRÍVEL DO MUNDO

Três carnavais atrás, eu corria pelas ruas de Porto Alegre enquanto minha camisa azul se tornava vermelha. Dependendo de como você encara a vida, talvez possa considerar sorte levar um tiro no peito a poucas quadras de um hospital e ser liberado com apenas alguns curativos. Certo é que as coisas são tão aleatórias que a diferença entre a vida e a morte pode ser somente uns míseros centímetros. Alguns pensam que experiências traumáticas são ímpeto para mudanças e questionamentos, mas quem sabe somente nos façam regredir as nossas zonas de conforto e às miríade de escapismos que criamos para romper o silêncio da existência.

Eu ainda lembro. Não do rosto, não da arma, não do cheiro da própria carne queimada, não do vazio que foi introjetado em meu corpo, tudo isso eu tratei de esquecer. O que me recordo é do som: o som mais fantástico que já escutei. Desde criança, gosto de bater em certas coisas com meus dedos, simplesmente para sentir a vibração pelos meus ossos, para ser surpreendido pelas alturas imprevisíveis formadas nos blangs e blongs; algo me fascina nessa conexão entre a audição e a sensação da vibração física. Mas esse som foi a experiência estética mais impactante de todas, e é disso que escolhi me lembrar. Uma vibração profunda, densa, uma onda de 30Hz reverberando pelos ossos, calando os pensamentos, isolando tudo ao redor, parando o tempo enquanto um pedaço de minha pele e carne eram atravessados em uma fração de segundo. Naquele breve instante, não havia espaço para dor, racionalidade ou consciência, tudo o que existia era vibração; eu nunca estive tão vivo. Passado o momento - de volta à realidade bruta - as memórias são mais difusas. Enquanto a certeza da morte rapidamente se afastava, as incertezas da vida se ramificavam geometricamente, viver é muito mais complexo do que morrer.

Mais tarde, enquanto era atendido no hospital, os movimentos frenéticos na minha mão devem ter incomodado a ponto de me administrarem algum tipo de sedativo leve. Mal sabiam que a coisa mais urgente do momento era estudar a frenética cadência do primeiro concerto de Shostakovich, buscar no som imagético conforto para aliviar o choque. A vida pode ser interrompida a qualquer momento, mas o universo segue oscilando, segue fazendo música indiferente a todo o resto: se existe algum propósito ou sentido, esse pode ser simplesmente vibrar, independente do quão caóticas e imprevisíveis forem as ressonâncias.

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